quinta-feira, 5 de junho de 2014

Carta de alforria

Hoje não me sinto mais segura.
Já havia percebido isso, porém cada vez mais percebo a presença dessa insegurança que se faz total, desse medo nos mais pequenos detalhes e decisões diárias.
Senti uma vontade grande de escrever, pegar um caderno e escrever.
Mas aí me deu medo, e pensei : "- É melhor escrever no computador, salvar com senha, é mais seguro."
Imediatamente me veio a lembrança de um cara, um estranho, doente, puxando de minhas mãos um caderno, meu caderno, onde estavam escritas apenas coisas minhas, fragmentos, espelho de mim.
Lembro da ira e revolta com as quais me olhava, enquanto tentava arrancar à força aquela parte de mim, a qual achava ser também direito e propriedade sua, assim como eu era.
Até que eu, depois de lhe machucar com uma mordida e me sentir culpada - como uma ladra que, depois de roubar e muito correr, estava cansada e ofegante e decide devolver envergonhada o que roubou (naquela época, eu ainda não tinha notado que nunca havia roubado nada) - abri uma página e li, chorando, em voz alta para ele o meu segredo, aquilo que havia lutado tanto para esconder: minha miséria.
Todo mundo tem um pouco de miséria dentro de si, uns mais, outros menos...
Mas a verdade é que, depois disso, nunca mais lhe perdoei.
Me invadiu e violentou minha alma das mais diversas formas possíveis.
E, como a vítima que se apaixona por seu estuprador, lhe tinha tão grande ódio quanto lhe guardava amor.
Após dias como esse - e foram muitos, nunca mais senti que pudesse ter algo só meu, que pudesse ter alguma intimidade comigo mesma, parei de escrever.
Uma grande impotência nasceu dentro de mim e me fez abortar uma das coisas que eu tinha de mais lindas: minha sede de liberdade, em troca da ilusão de possuir e ser posse de outro alguém.
Bom, e agora?
Agora já posso fazer o caminho de volta para mim.
Algumas pessoas podem nos condicionar a certos hábitos e mesmo a certos medos.
Mas o que é essência, personalidade, o que é verdadeiro, não se muda,permanece, apesar de tudo.

domingo, 1 de junho de 2014

Carta para "eu"

Ah... se eu fosse sempre tão radiante assim,
Se em tantas vezes gostasse mais de mim
e me fizesse os mimos que mereço...

Se eu penteasse meus cabelos com mais carinho,
e passasse um batom bem de mansinho
pra fazer minha boca dizer sem falar...

Se meus olhos fossem sempre profundos,
guardando segredos de tantos mundos,
sem nunca deixarem de brilhar...

Minha cabeça não olhasse mais pra baixo
e visse o futuro à sua frente
com olhos de uma criança que se surpreende
e quer conhecer mais...

Se eu não tivesse mais medo
e não precisasse de mais nada para me apoiar...

Tenho a impressão que meus próprios pés seriam suficientes
para me levantar a qualquer hora e lugar
Se aquela flor eu desse a mim,